quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A Massa Quer Saber | Campos

O "A Massa Quer Saber" volta com a entrevista de um craque do passado: Cosme da Silva Campos, ou somente Campos. O jogador atuou na década de 70 no Galo e, infelizmente, ficou marcado por uma acusação de doping, que lhe tirou da Copa do Mundo de 1974. Foi artilheiro no Atlético do Campeonato Mineiro de 1973 e chegou a ser convocado para a Seleção Brasileira, mostrando que sabia superar os obstáculos. Siga abaixo a entrevista com o atacante chamado superação.

- Campos, primeiramente, obrigado por conceder essa entrevista ao blog. Ficamos muito honrados de ter suas palavras, de tanta história no Galo, nesse espaço dedicado ao torcedor. Como se sente sendo um dos maiores artilheiros do Galo?
Na verdade eu quem agradeço não só a oportunidade, mas o carinho e respeito. Deixei de vestir a camisa do glorioso há quase 4 décadas, e ser ainda hoje o 17º artilheiro da história do time, ter esse reconhecimento e carinho é algo realmente indescritível e motivo de uma alegria imensurável. Hoje o clube disputa várias competições, na minha época, participávamos apenas de 2, o regional e o Brasileiro, o que dificultava manter uma média de gols que garantisse estar entre os maiores artilheiros. Deixei uma história de amor no Atlético e de paixão com a torcida, algo que jamais vou esquecer!

- Como foi fazer parte do elenco campeão de 1971?
Vim das categorias de base, fui revelado pelo Galo com 19 anos e estar no elenco campeão brasileiro foi emocionante. Não joguei a final, o Dadá não deixou, mas saí na foto (risos). Sabia que aquela seria uma experiência que eu viveria outras vezes, mas a primeira é sempre a mais especial! Só depois que voltei do Nacional de Manaus e o Dadá vendido ao Flamengo que assumi definitivamente a condição de titular.

- Qual principal diferença que você enxerga na equipe do Galo campeão brasileiro e o atual time?
A diferença é grande, a época é outra, o futebol evoluiu, a técnica se aperfeiçoou; mas naquela época tinha mais futebol, mais raça, mais amor, paixão mesmo. Hoje o interesse bate a porta mais cedo, um jogador de destaque consegue fazer fortuna em pouco tempo, a oportunidade de fazer um nome e ter altos salários acaba fazendo com que o nome atrás da camisa pese mais que o escudo do time que se defende.

- Você ficou marcado por ser o primeiro atleta brasileiro a ser flagrado no exame de doping. O que aconteceu e no que isso influenciou na sua carreira?
Esta é sem dúvidas uma pergunta muito importante, pois a mídia da época não ouviu meu lado da história e nem procurou realmente saber o que aconteceu. Doping hoje não é mais tabu, o assunto está melhor explicado e as pessoas já são mais esclarecidas; naquela época doping era sinônimo de droga. Tive muitos pontos que pesaram contra: fui o primeiro caso do futebol brasileiro, o Galo não tinha a estrutura que tem hoje, a diretoria não zelava pelos seus jogadores, não colocava o advogado do clube a disposição; mas sem dúvida, acredito que ter sido o autor de todos os gols da vitória do Atlético em cima do Vasco foi culminante.
Estava em início de carreira, com 20 anos e já no ano anterior fui vice-artilheiro do Campeonato Brasileiro pelo Nacional de Manaus, era uma promessa no futebol.
O que ocorreu foi que jogo anterior no Maracanã, contra o Vasco, em 04 de novembro de 1973, levei uma joelhada e deixei o campo amparado pela comissão médica, pois havia sofrido um corte no lado interno da boca, tive o maxilar abalado, perdi três dentes e tive vários outros danificados. Ao chegar a Belo Horizonte, no outro dia, eu e o Dr. Haroldo Lopes da Costa, que cuidava da minha contusão, procuramos o Dr. Helvécio de Sousa, dentista. Fiz um tratamento de urgência e para conciliar o tratamento com minha presença no time, resolvemos (eu, Dr. Haroldo, Dr. Helvécio e Telê Santana) que a cirurgia seria feita após o jogo de volta, no dia 19 de novembro. Durante o tratamento, tomei antiinflamatórios, antibióticos e analgésicos, todos prescritos pela junta médica do time (Parenzine, Patomicina, Tetraciclina, Dorflex e Novalgina), nenhum destes medicamentos constava naquela época na relação dos considerados como doping.
No jogo de volta no Mineirão, em 18 de novembro de 1973, marquei os 2 gols da vitória do Galo, fui submetido ao exame anti doping, e o resultado indicou a presença de efedrina. Para o Dr. José Elias Murad, o problema era de simples defesa científica, pois eu havia tomado muitos comprimidos de Dorflex no dia da partida e este medicamento é derivado da efedrina.  
O caso teve inúmeros pontos obscuros, dentre eles os prazos. Por que o jogo do dia 18 de novembro só teve o resultado divulgado no dia 26? E por que o resultado só foi comunicado a mim e a diretoria do Atlético no dia 28? Existia a recomendação que a contra-prova fosse feita em uma universidade. A CBD informou que em razão do alto preço cobrado pela única do Rio que poderia fazê-lo, recorreria a um laboratório particular, de confiança deles. Outra coisa que nunca entendi foi porque o Dr. Haroldo na ficha do exame não declarou a medicação a que eu estava sendo submetido. Meu recurso não foi aceito, quando chegamos para protocolizado, já havia uma decisão mantendo minha suspensão, onde foi parar o direito ao contraditório e a ampla defesa? A imprensa veio ainda com uma história de que tinha comido beterraba e por isso minha urina estava avermelhada, não houve nada disso, desde a contusão só tomava suco, vitaminas e sopas, pois era impossível mastigar.
Não tive nenhum apoio da diretoria da época, não possuía instrução, não tinha uma assessoria, talvez se tivesse esta estrutura por trás as coisas tivessem sido bem diferentes, fui condenado pela inocência. O único apoio que tive veio das arquibancadas, da Massa Atleticana que não me deixou cair e sempre me apoiou. 
Com a condenação, fiquei 6 meses suspenso e deixei de disputar a Copa do Mundo da Alemanha em 1974.  Não só recebi uma condenação injusta, mas acabei estigmatizado por algo que não cometi. A condenação foi sem dúvidas o menor dos sofrimentos que este episódio me acarretou, acabei estigmatizado e discriminado.  Fiquei muito tempo parado, para voltar não era a mesma coisa, o lado psicológico também pesava, mas a vida não para. Tive que lutar cada vez mais para superar e graças a Deus, a torcida sempre esteve comigo e me apoiou!

- Você chegou a ser convocado em 1975 para a Seleção Brasileira e, infelizmente, não foi para a Copa devido a esse triste episódio do doping. Como foi representar a amarelinha na Copa América, marcando dois gols?
Naquela época o futebol brasileiro tinha muito mais jogadores de qualidade que nos dias de hoje, e poder vestir a camisa da seleção foi uma emoção e tanta, um dos maiores prazeres da minha vida, sem dúvida. Ser titular e ter um reserva como Roberto Dinamite dá para mensurar um pouco como me senti. A Copa América de 1975 foi a primeira realizada sem uma sede fixa, viajamos toda América do Sul, este sem dúvidas foi um grande desgaste que prejudicou nos treinos e na concentração. Naquela época a qualidade das equipes adversárias também era muito boa, o futebol era mais competitivo, na base da habilidade, a regra era diferente, não se marcava tantas faltas, foi um período muito bom.




 
Gol de Campos a partir de 1.55 contra a Venezuela

 
Golaço de Campos a partir de 0.35 contra o Peru


- Como foi ser comandado pelo maior técnico que o Brasil já teve, o grande Telê Santana?
Aproveito esta pergunta para prestar uma homenagem, ao meu grande mestre que completaria 80 anos no dia 26 de julho. Tive a sorte de poucos, em início de carreira ser treinado e aconselhado pelo mito Telê Santana. Tenho grande saudade, pois ele era um técnico que pensava sempre no bem dos seus comandados, era muito disciplinador e cobrava muito, mas sempre chegava junto. Cobrava por saber que podíamos mais, tínhamos algo mais a oferecer e ele estimulava isso em cada um no time. Uma das maiores virtudes dele era sem dúvida ser um grande observador, com isso, ele chegava com o preparador físico e procurava aprimorar no jogador aquilo que ele não tinha ou era deficiente. Quando cheguei ao time principal, meu maior potencial era cabecear, mas tinha grandes dificuldades em chutar. Com a orientação técnica e os treinamentos dele na Vila Olímpica aprendi a chutar com as duas pernas. Lembro-me que passava horas e horas treinando apenas chutes, chegava até a chorar, porque no início só chutava as bolas por cima da trave e enquanto eu não batia as bolas para o gol ele não me liberava do treino. Foi graças a essa habilidade por ele aprimorada que fiz muitos gols de fora da área, como na seleção, num jogo da Copa América conta o Peru. Telê era muito presente, sempre ligava para casa para saber se estávamos lá, controlava a questão de dinheiro, não me deixava gastar com carro e outras coisas, dizia que em início de carreira, precisava ser econômico. Saia do treino morrendo de fome e tinha que encarar lotação lotada para Pedro Leopoldo. Mas sem dúvidas ele foi um dos que mais contribuíram na minha história no futebol.

- Há alguma história que possa nos contar de seu tempo como jogador do Glorioso?
Histórias é o que mais tenho, afinal, contando com o Galo, passei por 23 clubes. Mas como todo Atleticano que se preze, as melhores histórias são sempre as que envolvem vitória em cima do Cruzeiro.
Tinha acabado de regressar do Nacional de Manaus e assumir a posição de titular no Galo, estávamos disputando o Campeonato Mineiro de 73 e tínhamos pela frente, no domingo, um clássico. Naquela época, nos concentrávamos no Hotel Brasil, na Praça Sete. Saí de Pedro Leopoldo para a concentração na sexta  e chegando a Belo Horizonte me deparei com uma faixa enorme, bem na entrada da cidade com os seguintes dizeres: “Vem Campos, Perfume te espera!”. Roberto Alfredo Perfumo, conhecido pela torcida cruzeirense como “Perfume”, foi sem dúvida um dos melhores zagueiros do futebol que conheci, era talentoso e raçudo.
Já fui para a concentração preocupado. Não tem provocação pior para um centroavante do que uma faixa assim. Pensei: “E agora, o que eu vou fazer? O negócio agora vai pegar!”. No sábado, fizemos a recreação, voltamos para o hotel e lá na porta mais uma faixa: “Vem Campos, Perfume te espera!”.  
Não via a hora de chegar o jogo. Era 20 de maio de 1973, Mineirão lotado, um dos maiores públicos da época, 58.519 torcedores. Os jogadores do Cruzeiro todos arrumadinhos com agasalho e nós estávamos arrumados, mas, naquela época, o Galo usava um macacão para chegar ao estádio, a roupa deles era mais imponente, mas era só a roupa.
Do vestiário ouvia a torcida do Cruzeiro gritar “Perfume” e a Massa Atleticana gritando “Campos”. Estava ansioso para o aquecimento com bola, o jogador sabe o dia em que está bem e quando não está, precisava bater na redondinha pra ter certeza que o domingo seria meu. Quando bati na bola vi que estava bem.
Na hora da escalação eu cheguei até a porta do vestiário e quando falaram: “Campos, camisa 9” a torcida foi ao delírio, a adrenalina subiu, arrepiei todinho e falei: "Agora acabou, ele vai ver o Perfume que me espera!"
Começou o jogo e nada, não conseguia fazer as jogadas. Dei um empurrão no Perfume e o Rodrigues, ex-jogador do Cruzeiro, fez o gol, 1 x 0 para o Galo.
Na época o nosso técnico era o Paulo Benigno Ferreira, que tinha sido preparador físico na minha época com Telê. No intervalo, eu estava tão tenso que fui chupar uma laranja para tentar desestressar. O técnico conversou com todo mundo e não falou nada comigo, achei até que ele ia me substituir. Eu então perguntei para ele: "E quanto a mim?". Ele falou: “Continue do jeito que você está que está ótimo!”. Pensei: "Ótimo? Agora eu vou com tudo, não estou jogando nada e ele não vai me tirar, preciso mostrar alguma coisa!".
O jogo recomeçou, eles vieram dar um lençol em mim, mas eu estava na velocidade, peguei a bola na coxa e na hora que o goleiro saiu, eu o driblei e marquei aos 38 minutos do segundo tempo, fazendo 2 x 0. Fiquei 1 semana ganhando presente!

- Campos, para finalizar, gostaríamos de agradecer a você e pedir que deixe um recado a essa torcida gigante do nosso Galo. Ficamos muito honrados de ter você como entrevistado. Sua história faz que a gente tenha ainda mais orgulho do nosso Galo!
Agradeço primeiramente a vocês pela oportunidade, carinho, amizade, respeito e parceria! Gostaria de agradecer também a Massa Atleticana por todo carinho e respeito durante todos esses anos e dizer que foi uma grande honra poder defender o Galo dentro de campo, não existe torcida mais apaixonada e apaixonante! Não vamos deixar de apoiar sempre o Glorioso, mas vamos cobrar do novo técnico, afinal, trocam-se as comissões técnicas, fazem-se contratações e os títulos não chegam. Que venham as conquistas, afinal, a torcida merece! Aos que quiserem me seguir, meu Twitter é @Campos9_ e me adicionem no Facebook. Grande abraço a todos!


Saudações Alvinegras!
twitter @Pa1xao3log

4 comentários:

  1. Campos é o heroi que, nos sonhos dos atleticanos, queríamos ser como ele, para fazer os mesmos gols que ele fez para o CAM e para nós. Mas, sonhos atleticanos são assim, sonhados em MASSA e ainda não realizados. Realidade mesmo, é saber que nosso heroi está vivo, para contar suas histórias e fazer de nós, UM só atleticano.
    @cabrito2606

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  2. Sem comentários bicho, to arrepiado! PQP! isso é jogador do Galo!

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  3. Muito legal a entrevista! Campos é um jogador importante de nossa história e que deveria ser mnais valorizado por nós mesmos!

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