segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Quero meu amigo de volta

Olá, meu amigo... Quanto tempo hein?

Foi em 1987 que nos conhecemos. Lembro-me que foi meu pai, amigo dele há mais tempo, quem tapou meus olhos e disse antes de vê-lo: ”É um pouquinho maior que o Comercial (campo do Comercial Esporte Clube do Barreiro)”. Quando o vi, um susto: nunca tinha visto nada ainda igual. Gigante, apaixonante. Ali começava a minha amizade com o Mineirão.

Comparado a muitos outros, foi até tarde que o conheci. Meu pai havia sofrido um infarto alguns anos antes e ainda carregava um trauma em voltar, mas voltou atendendo um pedido do filho que havia completado 8 anos 17 dias antes.

Lembro-me de cada detalhe desse dia: antes de entrar, encontramos com o Telê com uma camisa vermelha, dirigindo um Monza e meu pai cumprimentando-o e, claro, dando palpite sobre o time. E o mestre Telê ouviu e agradeceu ainda. Esse era o Zé de Pinho. Tímido, eu não sabia que estava ali uma lenda viva do futebol e nem dei tanta importância na época. Legal era ver todo mundo gritando "Galo" a cada foguete que estourava a cada minuto por perto.

A ansiedade de ver por dentro aquele gigante de concreto do lado de fora consumia. Estando lá e absorto pelo clima, lembro-me da arquibancada de cimento, das bandeiras e das torcidas organizadas e suas faixas. GaloPrates, Super Força Viva, Dragões da FAO, etc... Todos cantando em uma só voz: "GAAAAALLLOOOO!!!! GAAAAALLLOOOO!!!!" Não, ninguém gritava "uhu, uhu é Galo Prates" ou “nós somos da Dragões da FAO e nosso lema é dar porrada“. Essa babaquice veio depois...

Nunca tinha visto tanta gente junta torcendo pelo meu time junto comigo, gritando sem limites de decibéis o que na minha casa falávamos o tempo todo. Se meu corpo já nasceu atleticano, foi naquele momento que minha alma imortal se uniu a ele.

O jogo era Galo x Internacional e tirando o meu pai que xingava o filho da “Fiica” (era assim que ele chamava o Sérgio Araújo, pois a mãe dele, Fiica, era vizinha conhecida ainda da época do Vale do Aço). “A bola vai para um lado e ele corre para o outro”, falava o tempo todo e ao lado, outros concordavam e outros reclamavam do armador Marquinhos que “não dava liga, não vibrava”, o que para a Massa é sacrilégio. Naquele lugar não havia cor de pele, trabalhadores, patrões, polícia, bandido... só haviam atleticanos.

Enquanto o jogo ia rolando, outros pais e outras crianças andavam e sentavam nas arquibancadas de acordo com o sol. Iam para um lado e para o outro, andando, chupando um picolé, comendo um tropeiro, tomando uma cerveja e claro, vibrando a cada jogada...

E assim, inúmeras vezes depois, voltei ali. Mineiro, Brasileiro, Série A, Série B, Libertadores, Sul-Minas, etc... De dia, de noite, sozinho, com amigos, com namorada, com minha esposa, com minha filha... E nele, enterrei o umbigo do meu herdeiro a espera de um dia voltar lá com com ele para unir sua alma ao corpo como que meu pai fez comigo em 19/09/1987.
Mas o meu amigo Mineirão ficou diferente... anda meio europeu demais.

Antes, uma lipoaspiração o fez perder vários lugares. Estava gordo demais, gente demais. Cortou a cerveja (será que virou templo do Edir Macedo?) e o tropeiro estava meio sem gosto a R$10,00. Mas tudo bem, ainda era meu amigo e gostava dele apesar dessas frescuras...

Mas agora, não dá mais... Que porra (desculpe, mas ainda sou da época que falar palavrão no campo era bonito) é essa de lugar marcado? Restaurante com ar condicionado e torcida sentada? Vai tomar no C...! (como diria a torcida, pausadamente, para o juiz ao marcar um impedimento em gol do Galo).

Fui outro dia ao Independência depois de muitos anos e encontrei com meus sobrinhos e amigos lá fora. Sentamos em um local ao meio do campo. Fui interrompido por um cara dizendo que o lugar era dele. O meu, segundo o cara do “Staff” lá na PQP e dos meus amigos, do outro lado da PQP. Quem, em sua sã consciência, compra ingresso assim? Imagine eu ligando: “Pedro, compre a poltrona 5F do setor sul, porque o Rafael comprou a 4F e eu vou tentar achar a 3F”. É jogo do Galo ou Orquestra sinfônica de Berlim no Palácio das Artes?

Então, meu amigo, pare com essa frescura. Essas férias suas de três anos na Europa te deixou viado demais. As crianças e seus pais, com aquele grito de Galo, vão dar lugar para aplausos ocos e o tropeiro tende a dar lugar ao caviar. Você não é assim. Assim como nós, nasceu do povo e é do povo. Mineiro, Brasileiro e Sul Americano. Está perdendo sua essência, amigão... Não venha com frescuras! O filho do pedreiro que lhe fez tem mais direito a ir que o filho do prefeito que lhe trata mal.

Ou você para com essa frescura, ou não conte comigo. Eu sou do povo, eu sou da Massa, eu sou negro, eu sou branco, eu como tropeiro, eu apoio meu time, eu assisto ao jogo em pé, eu tomo cerveja, eu canto o tempo todo, eu sou do Clube Atlético Mineiro.

Quero meu amigo de volta.

Marlúcio Pinho
Edição sobre imagem de Alberto Andrich | BCMF

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