domingo, 5 de agosto de 2012

O Galo e o Abutre

Tarde de quarta feira, Léo arruma suas malas, predominância de camisas do Galo, sem contar a toalha nas cores alvinegra. Léo está pronto para ir ao Rio de Janeiro com seu pai. Aos seus poucos 11 anos, assistir um Flamengo x Atlético em pleno Engenhão seria a realização de um sonho para o garoto, que já imaginava Ronaldinho calando os rubro-negros em estádio lotado com o gol da vitória alvinegra, dentro de um território inimigo e hostil para ele, e qualquer outro Atleticano que ali pisasse.

Enquanto imaginava a festa atleticana, longe de casa, seu pai chegou com uma cara abatida, e disse que a viagem dos sonhos, seria adiada.

Uma lágrima correu no rosto do garoto, que passou de sonhador, para indignado, em instantes. Ele agora questionava incessantemente o pai acerca do motivo do adiamento da viagem, ainda incrédulo sobre a notícia que acabara de receber. O pai, vendo que o filho não se conformava o pai decidiu contar ao filho que o adiamento era apenas a ponta de um iceberg que prejudicava o Galo há décadas, sentou o filho ao seu lado e disse:

 – Léo, vou te contar uma antiga história.

- Filho, - começou o pai - há muitos anos atrás, mais precisamente na década de 70, quando eu era da sua idade, nós passávamos por uma situação política instável, governantes autoritários e uma ditadura implacável. Com isso, o povo, oprimido, buscava se refugiar e voltar suas atenções para o futebol. A mídia governista, Rede Globo, e a CBF perceberam que entreter o povo com futebol era a saída para desviar o foco dos problemas sócio políticos que passávamos. Porém, para isso, teriam de escolher um time, para fortalecer, torna-lo imbatível, a ponto de que ele ofuscasse qualquer outro assunto nos meios de comunicação nacionais, por “coincidência”, o dono e regente da emissora, Roberto Marinho, era fanático por um tal de Flamengo, até então o quarto time do estado do Rio de Janeiro, mas que por outro lado tinha um apelo imenso sobre população carioca. Até então tudo corria bem, e o plano tinha tudo para dar certo, mas o cenário do futebol nacional começou a mudar.

- Pouco mais adentro do Brasil, - continuou o pai - aqui mesmo, em Minas Gerais, um fenómeno começava. O nome? Clube Atlético Mineiro, o time do povo, uma equipe que levava multidões aos estádios, que era sinónimo de raça e superioridade em Minas. O problema do “eixo do mal” começava aí, o Galo crescia cada vez mais, jogadores de extrema qualidade técnica surgiam na base, eram contratados, e haviam acabado de ser incrivelmente, vice-campeões invictos no ano de 1977, campeões dos campeões em 1978, formavam a base da seleção e iniciavam uma hegemonia no futebol mineiro, que continuaria durante a década de 80.

- O que eles temiam aconteceu, crescemos, conquistamos territórios por todo o Brasil, vencemos e batemos quem quer que fosse, em casa, éramos temidos, chegava a ser quase impossível arrancar um ponto se quer do Galo perante a massa. Eis que chegamos a final do brasileiro de 1980, contra o flamengo, teríamos o confronto entre o time da mídia e o time do povo. E o que temiam os Atleticanos se concretizou, na linguagem popular, fomos garfados. O primeiro jogo foi uma guerra, no Mineirão, vencemos por 1 x 0, jogamos contra 14 como esperado, mas a Massa valia por milhões, a vitória foi nossa. Eis que viria a segunda batalha, no Maracanã, mais de 100 mil pagantes, daquele dia não passaria. A guerra começou, o Atlético lutava mais uma vez contra 14. Um empate faria com que o Galo fosse bicampeão Brasileiro.

- E o que aconteceu? – perguntou o filho ansioso.

- Atlético e Flamengo tinham a base da seleção brasileira. O Galo tinha Reinaldo, o Flamengo tinha Zico. Durante o jogo, o Atlético foi mais uma vez impedido pela arbitragem de vencer. Faltas marcadas apenas para o Flamengo, impedimentos não marcados, tudo conspirava contra nós, mas nós tínhamos o Rei. Reinado, mesmo machucado, calou o Maracanã 2 vezes. Com medo de que marcasse o terceiro gol o árbitro expulsou o Rei.

- Ao menos a expulsão foi justa? – interrompeu o filho.

- Reinaldo foi expulso por uma reclamação que não aconteceu. Ele disse que o juiz deu o amarelo e logo em seguida, como se ele tivesse reclamado, levantou o vermelho – lamentou o pai.

- Mas o Atlético – continuou - sabia que nada na sua história havia sido fácil, e que teria que lutar mais uma vez contra tudo e todos para voltar ao topo. E voltamos.

- Libertadores de 1981

- Já roubaram o Galo até em Libertadores? – perguntou o filho incrédulo.

- Até em Libertadores – continuou o pai - o Atlético, se superou, superou o eixo, os que duvidavam dele, e voltou com tudo, sendo o melhor time da competição, jogando um futebol que há muito não se via no país. Uma partida definiria o time que ia seguir adiante na Copa, Serra Dourada, campo neutro, lotado, clima hostil, Atlético x Flamengo. Algumas conspirações cercavam o ambiente, como a Globo havia desenhado sua logo no gramado? Porque o trio de arbitragem havia viajado junto com a delegação carioca para Goiânia? A partida começou. Começou e terminou. 37 minutos de jogo, José Roberto Wright expulsará de forma incrível, assustadora, injusta, descarada, e sem pudor Éder, Reinaldo, Chicão, Palhinha, Cerezo e João Leite. O Flamengo venceu por W.O, o Galo venceu moralmente, ficou claro que éramos a pedra no sapato do eixo, que não havia outra forma de barrar nossa tradição no futebol nacional. E com um golpe baixo, covarde fomos impedidos de conquistar o que era nosso por direito, outra vez.

- Por diversas outras vezes nessas três décadas que passaram, fomos prejudicados, - disse o pai ao filho - mas sempre nos mantivemos no topo, sempre nos mantivemos gigantes. Porém, aconteceu nessa quarta, mais uma manobra covarde contra o Galo, mais uma tentativa de nos tirar o que vai ser nosso por direito.

- Mas filho, – começou o pai, virando-se para o filho - dessa vez não, esse ano é NOSSO, chegou nossa vez, voltamos a ser o Galo forte, e voltamos a ser o Galo vingador, vamos vingar 77, 80, 81, 99, 2007, vamos vingar a massa, e pela nossa história seremos bi campeões, voltaremos ao topo, contra tudo e contra todos.

Léo enxugou as lágrimas, desfez sua mala, mas não sem antes pegar uma das camisas do Galo e vestir, bater no escudo e ter a certeza de que podia tardar, mas a hora do Flamengo, do eixo, da mídia, da Globo, dos árbitros vai chegar, que dezembro está cada vez mais perto, e não terão para onde correr, de nariz torcido, vão ter que nos entregar a taça e ouvir nosso grito de campeão ecoar pelo mundo afora, e como dirá Zagallo, terão que nos engolir.

Desta vez, o Abutre do apito e o Urubu sentirão o gosto da própria carniça.

Luís Eduardo

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